"ANALU NABUCO: A CORAGEM DE UMA ESCALA ÍNTIMA"
por Paulo Sergio Duarte
A arte moderna, desde a segunda década do século XX, foi marcada pela prática das assemblages. Era mais um passo em direção ao pleno exercício da liberdade defendido, desde o final do século Xvlll, pelo romantismo alemão. Picasso, sempre ele, a exercitou na sua série de "guitarras"; Duchamp e os dadaístas tiveram nas asse/nblages uma das forças de contestação às cômodas linguagens incorporadas e enaltecidas pela academia. Até hoje, náo são poucos os artistas que fazem da assemblage o seu centro de pesquisa artística. Este é o caso de Analu Nabuco.
No caso da arte no Brasil, quando vemos esses trabalhos de Analu é inevitável que venha à lembrança a obra de Farnese de Andrade (Araguari, MG, 1926 - Rio de Janeiro, RJ, 1996). O artista dedicou as últimas três décadas de seu trabalho às assemblages. Por isso, é necessário diferenciar as obras de um e de outro apesar da semelhança dos procedimentos. Farnese não deixa de recorrer a uma poética que envolve melancolia e, por que não lembrar, certa morbidez. Tratava-se de uma corajosa investigação numa época que vivia a comemoração do racionalismo das linguagens construtivas ou a elaboraçáo crítica e política da Nova Figuraçáo.
Diante do estardalhaço contemporâneo, não falta coragem aos investimentos estéticos de Analu, ao empregar um procedimento tipicamente moderno, e usando uma escala íntima, poderíamos mesmo dizer, doméstica. Mas se em Farnese há o recurso à memória do corpo, à doença e à morte; já as coisas juntadas por Analu com frequência pertencem ao universo orgânico da natureza, aos quais são incorporados objetos do cotidiano, que temos todo dia à mão, embalagens de medicamentos, as caixas de guardados, a tesoura, que vão se transformar em "figuras" estranhas quando associadas aos galhos de árvores, pedaços de pequenos troncos. Mas não há morbidez. É como se esses objetos de arte vivessem quietos e felizes numa discreta existência.
O que observamos é que as sugestões poéticas dos surrealistas não cessaram ainda de provocar a imaginação de artistas contemporâneos; afinal de contas, o que Analu Nabuco está fazendo é exatamente aquilo propugnado por lsidore-Lucien Ducasse, o Conte de Lautréamont, nos "Chants de Maldoror", tão reverenciado por Breton e seus amigos.
Rio de Janeiro, julho de 2016.